Em 88 anos de tradição, houve quem afirmasse que nunca presenciou um 2 de fevereiro como o de ontem. Toda a alegria e a religiosidade caracte-rísticas da festa que saúda e homenageia Iemanjá estavam presentes, mas os festejos foram marcados também por desorganização e um imprevisto crucial: a falta do presente principal.
Até às 12h de ontem, a oferenda que seria enviada como presente principal, em substituição à escultura que foi danificada, não havia chegado à Casa de Iemanjá, o que causou a apreensão de fiéis e pescadores. Apesar do receio inicial, centenas de balaios de vime com oferendas de milhares de pessoas saíram em cortejo marítimo, pontualmente às 15h30, acompanhados do esperado presente para a rainha do mar.
A agitação começou logo cedo com a chegada dos fiéis que aguardavam numa fila imensa a vez de depositar seus presentes no barracão. Flores, perfumes, joias e mais uma série de apetrechos que são jogados ao mar como forma de agradecimento à mãe biológica de Xangô e adotiva de Ogum não paravam de chegar aos balaios que logo no final da tarde seriam ofertados à dona da festa.
Tudo como manda a tradição, não fosse o inesperado problema. A escultura de 2,5 metros em forma de concha, que vinha sendo preparada há seis meses por um artista plástico paulista e seria ofertada como presente principal, quebrou e teve de ser substituída por uma imagem de Iemanjá que levou quase um dia inteiro para chegar ao Rio Vermelho. Ontem, alguns veículos de imprensa chegaram a noticiar, inclusive, que o presente não seria encaminhado.
O fato causou certo desconforto entre os pescadores antigos que não se conformavam com a demora. Em 88 anos de festa, segundo pescadores, esse caso nunca aconteceu. “Nesses anos todos, eu nunca presenciei um fato desse. Fiz esse presente por 18 anos e às 5 horas da manhã a oferenda dos pescadores já estava aqui no barracão, para dar tempo arrumar e en-tregar à tarde”, recordou o ex-presidente da Colônia de Pescadores Eulírio Menezes.
“Cheguei ao Rio Vermelho em 1949 e em 1958 comecei a participar da organização da festa que era realizada com pouco recurso. Saía de porta em porta arrecadando dinheiro para comprar o presente e nunca deixamos de fazer a oferenda a Iemanjá.
Hoje a festa cresceu, são 53 anos que acompanho todo o festejo e nunca vi tamanha desorganização”, reclamava Seu Manteiga, pescador antigo que cumpriu, na noite anterior ao dia 2, o ritual de todos os anos: foi ao terreiro, tomou banho de abô e levou o presente de Oxum ao Dique do Tororó, em seguida se deslocou para o Rio Vermelho.
Também de prontidão e muito ansiosa pela chegada do presente estava Mãe Aici, do Terreiro Ode Mirin. Há 18 anos coordenando a parte religiosa da festa, a ialorixá, responsável pela arrumação do balaio que leva o presente dos pescadores, disse que recebeu a informação de que o presente não demorava chegar.
Na opinião do filho da casa Pai Ducho, só restava mesmo aguardar a chegada do presente principal. “Estamos aqui desde cedo, trouxemos a nossa oferenda para Iemanjá, que é tudo para nós, e jamais ficaríamos em falta com ela”, completou.
Cortejo foi pontual
A desorganização também foi apontada por aqueles que esperavam na fila para colocar seus presentes no caramanchão, montado nas imediações da Colônia de Pescadores Z-01, grupo que organiza a festa. “Trabalho aqui há mais de 20 anos e nunca vi nada assim.
A fila sempre foi grande, mas nunca tão desorganizada. E isso prejudicou as vendas, foi tumulto o dia todo. Se não fosse a Polícia Militar pra organizar aqui, nem sei como seria”, afirmou o vendedor de artigos religiosos Geraldo dos Santos, que montou seu tabuleiro debaixo do barracão, ao lado de onde eram preparados os balaios.
Mas, mesmo com imprevisto e confusão, pontualmente às 15h30, um cordão de isolamento formado por 78 homens da PM, segundo comando operacional que estava no local, conduziu a maioria dos balaios do caramanchão até as escadarias que levam à praia, localizadas em frente ao Largo de Santana.
Para a alegria daqueles que estavam ali para reverenciar a rainha do mar, o balaio com a imagem de Iemanjá foi colocada no saveiro principal que conduziu a procissão, juntamente com os demais presentes, que também foram divididos entre as 300 embarcações que fizeram o trajeto da Praia da Paciência até alto mar.
O cortejo foi acompanhado por equipes do Salvamar e fiscalizado pela Capitania dos Portos, que, por medida de segurança, determinou que este ano a procissão marítima não saísse às 16h, como acontece tradicio-nalmente, e antecipasse em 30 minutos a sua saída.
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