Dilma toma posse com discurso conciliador e apelo à oposição. Marcada também pela despedida de Lula do cargo, cerimônia foi inicialmente atrapalhada pela forte chuva
A presidenta Dilma Rousseff tomou posse neste sábado com um discurso conciliador, permeado por apelos à oposição e agradecimentos a aliados. A cerimônia, que marcou também a despedida do agora ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi marcada em boa parte pelo tom protocolar e declarações com viés administrativo. Dilma perdeu o ar sério em alguns momentos e chegou a se emocionar.No primeiro discurso que fez após ser empossada, no plenário da Câmara dos Deputados, Dilma pediu à oposição que deixe para trás a rivalidade da campanha eleitoral e prometeu não fazer um governo baseado em afinidades partidárias. "Não haverá no meu governo discriminação, privilégios ou compadrinho. Sou, neste momento, presidenta de todos os brasileiros", afirmou Dilma, com a voz embargada.
A petista citou Guimarães Rosa: "Recorro mais uma vez ao poeta da minha terra: O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem", afirmou Dilma. "É com esta coragem que pretendo governar o Brasil. Mas mulher não é só coragem, é carinho também."
Dilma pediu também a ajuda do Congresso, de prefeitos e governadores para dar continuidade ao trabalhado iniciado no governo Lula. "Estamos vivendo uma nova era, o despertar de um novo Brasil", disse a presidenta. "Pela primeira vez, o Brasil se vê diante da oportunidade real de se tornar uma nação desenvolvida." Dilma aproveitou para repetir a frase dita sucessivamente na campanha para se referir à imprensa. "Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras."
O tom emotivo marcou ainda o momento em que Dilma relembrou os tempos da ditadura militar, dizendo ter dedicado sua "juventude" à defesa da democracia. "Suportei as adversidades mais extremas", afirmou, dedicando a conquista da Presidência aos companheiros de luta contra o regime. "Divido com eles esta conquista e rendo a eles homenagem."
O fato de ter ser tornado a primeira mulher a chegar à Presidência guiou boa parte das declarações da petista no plenário da Câmara. Logo na abertura de sua fala, Dilma agradeceu a "ousadia" do povo brasileiro em eleger uma mulher para o mais alto cargo do Executivo, depois de ter escolhido um homem do povo para liderar o País por oito anos. "Venho antes de tudo para dar continuidade ao maior processo de afirmação que este Pais já viveu em tempos recentes", completou.
O presidente Lula, que deixou o cargo neste sábado, também foi lembrado pela nova presidenta. "Venho para consolidar a obra transformadora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem tive a mais rigorosa experiência política da minha vida", disse Dilma, que também reservou uma homenagem ao vice de Lula, José Alencar, ausente por estar internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Em vez de repetir a saudação "meus amigos, minhas amigas" do presidente Lula, Dilma investiu no aceno "queridos brasileiros e queridas brasileiras". Disse querer fortalecer o sentido programático dos partidos e aperfeiçoar as instituições brasileiras. Destacou ainda a importância de se manter a estabilidade econômica e dar continuidade ao desenvolvimento do setor produtivo.
Ainda no que se refere à área econômica, Dilma prometeu enterrar qualquer risco de retorno da inflação. "Não deixarei que esta praga volte a corroer nossa estabilidade econômica", afirmou, aproveitando ainda para mandar um recado às nações que impuserem barreiras ao comércio brasileiro. "Não faremos a menor concessão ao protecionismo dos países ricos."
Dilma prometeu trabalhar para erradicar a miséria, melhorar o ensino brasileiro e assegurar um serviço de qualidade na saúde. Disse ainda que manterá o foco no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como mecanismo de desenvolvimento e comprometeu-se a melhorar a estutura aeroportuária do País.
"Meu governo fará um trabalho permanente para garantir a presença do Estado em todas as regiões mais sensíveis à criminalidade", completou Dilma, elogiando em especial as ações de combate ao tráfico no Rio de Janeiro. O pré-sal também ganhou espaço no discurso. Dilma pediu, nesse caso, uma combinação entre pesquisa, investimento e preocupação ambiental. "O grande agente desta política foi e é a Petrobrás", emendou Dilma.
Protocolo
Dilma deixou a Granja do Torto por volta das 14 horas, em direção à Catedral de Brasília, ponto de partida do desfile que antecede a cerimônia de posse. A forte chuva, entretanto, atrapalhou os planos da presidenta, que teve de abrir mão do desfile em carro aberto para chegar ao Congresso. No local, Dilma deparou-se com uma multidão de aliados, que tentavam cumprimentá-la antes que recebesse o termo de posse das mãos do presidente do Congresso Nacional, José Sarney (PMDB-AP). Na ocasião, o deputado Michel Temer (PMDB-SP), que aos 70 anos compôs a chapa presidencial da petista, foi empossado vice-presidente da República.
Dilma foi aplaudida em vários trechos da cerimônia, algumas vezes com reforço do grito "Dilma, Dilma". Na plateia, entretanto, boa parte das cadeiras permaneciam vazias, ao ponto de alguns jornalistas sentarem-se na área originalmente reservada aos convidados.
Graças a uma trégua da chuva no meio da tarde, a rampa do Palácio do Planalto foi enxugada às pressas para permitir que fosse seguido o protocolo tradicional de transmissão da faixa presidencial. Lula logo quebrou o protocolo ao receber Dilma no Palácio - pegou a presidenta e Temer pelas mãos e ergueu os braços para a plateia.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal transmitiu o cargo à presidenta Dilma Rousseff e jogou-se nos braços do povo. Como fez inúmeras vezes enquanto esteve na Presidência, Lula quebrou o protocolo e, em vez de seguir para a base aérea logo após a cerimônia de transmissão da faixa presidencial, decidiu cumprimentar militantes que aguardavam do lado de fora.
Em frente ao Palácio do Planalto, a confusão foi tanta que uma mulher desmaiou e acabou sendo socorrida pelos bombeiros. Enquanto o ex-presidente distribuía abraços e cumprimentos, a plateia gritava “Lula guerreiro do povo brasileiro”. Quando Lula se afastou da multidão, o coro mudou para “Deixa o Lula aqui”.
Lula chegou ao Palácio do Planalto para a cerimônia de transmissão do cargo minutos antes das 16 horas, na companhia da primeira-dama Marisa Letícia e dos filios Lurian e Luís Claudio. Outros filhos como Marcos e Fábio Luís, o Lulinha, não foram vistos.
Durante toda a cerimônia, Lula mostrou-se muito emocionado e alegre. Ao chegar ao salão onde as autoridades aguardavam o início do ato, o presidente cumprimentou a todos e, diante dos ministros que vão integrar o novo governo, brincou: “Juízo”. Em seguida, Lula foi cumprimentar os integrantes de seu próprio governo, que também estão de saída. “Ex-ministros!”, riu Lula, que naquele momento ainda vestia a faixa presidencial.
Lula distraiu-se na conversa com os auxiliares e foi preciso um assessor lhe chamar a atenção e pedir que se apressasse, já que Dilma estava para chegar no Planalto. Lula então saiu correndo em direção à rampa do palácio, para recepcionar sua sucessora.
Nesse momento, entretanto, quem roubou a cena foi a filha de Dilma, Paula Rousseff. Antes de a presidenta e seu antecessor desceram a rampa, um funcionário do Planalto percorreu o trajeto empurrando um carrinho de bebê. Paula veio depois, seguida da babá, que levava no colo Gabriel, neto da presidenta.
Valeu, Lula
Enquanto Dilma discursava em frente ao Planalto, Lula retomou as conversas, desta vez com chefes de Estado estrangeiros. O venezuelano Hugo Chávez teve atenção especial do ex-presidente.
Do Planalto, Lula seguiria para a base aérea. Lá, funcionários do Planalto e alguns governadores e líderes petistas planejavam se reunir para uma última homenagem ao ex-presidente. Os funcionários fizeram um rateio e encomendaram 100 camisetas com a mensagem “Valeu, Lula”.
Lula embarcaria com destino a São Paulo. Lá, a previsão era de visitar o vice José Alencar no hospital, antes de seguir a São Bernardo do Campo, onde militantes petistas aguardarão o ex-presidente em frente a sua residência.
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